segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A Igreja cristã e a ética

Este texto serve ainda de referência para discutir a ética no espaço teológico e filosófico. Abordando a questão dos novos movimentos eclesiais e suas práticas. Devemos lembrar que aqui não colocamos nossa impressão como A Verdade, mas como motivação para discutir questões pertinentes à vida das comunidades de fé e encaminhar rumos para a vivência social no espaço eclesial.

Boa leitura. Espero que nos ajudem construir a discussão desta questão.

Shalom!

A Igreja cristã e a ética

            É necessário repensar o sentido da vida eclesial comunitária do seguimento cristão e fazer a autocrítica de seus próprios valores éticos. É imperativo reformular conceitos, implementar novas formas de relações, sem, no entanto, abrir mão e sem sacrificar as questões básicas da fé. Hoje, o cristianismo passa por uma de suas maiores crises, como poucas em sua história. É preciso reforçar o caráter ético da religião de modo geral, e do cristianismo, de modo particular.
Os novos tempos são definidos pelos vários movimentos advindos dos anos setenta, a procura da liberdade em um mundo “ultrapassado”, nefasto e sem esperança, propicia abertura às experiências dos mais diversos matizes. A busca desenfreada pelos conhecimentos espirituais desencadeia um processo de secularização da evangelização cristã. Para efetuar uma maneira particular de evangelizar, a televisão é usada largamente, e vai ao longo desse tempo até os dias de hoje, forjar novas culturas. Segundo Muniz Sodré “Debruçada sobre a derrocada de valores tradicionais (a "onda" juvenil, o peso ideológico dos imigrantes, a expressão pública das minorias etc.) e centrada no messianismo do espetáculo místico, a ‘igreja eletrônica’, ou ainda ‘igreja comercial’, passou a constituir verdadeiros impérios televisivos. Neste contexto, tudo se vende e se compra – da fé à redenção”. [Muniz Sodré. Mídia e religião:A salvação cotada em dóla. rwww.novomilenio.inf.br/idioma/ 20010711.htm. - Acessado em 04 de agosto de 2009].
            Aos poucos a Igreja Eletrônica vai dar espaço à Igreja Midiática. Não é somente o culto transmitido pela televisão, mas também os milagres que vendem ilusões e trazem audiência das massas. Some-se a isso, venda de objetos, CDs, modas evangélicas, etc. As igrejas da era midiática em sua “vitrine” vendem de tudo um pouco, o culto vira show, e, as promessas de Deus, barganha por dinheiro. E para manter tais programas vale de tudo. Brigas com outras emissoras, divisões, poder. O que está em jogo é a manutenção do modelo cultural. Magali do Nascimento Cunha, afirma que “A explosão da cultura gospel dos anos de 1990 imprimiu outro relacionamento dos evangélicos com a mídia e estabeleceu um novo papel para ele no campo religioso evangélico brasileiro”. [CUNHA, Magali do Nascimento. Consumo: novo apelo evangélico em tempos de cultura gospel. In: Estudos de Religião, Ano XVIII, nº, jan./jun. 2004, p.54].
      Este modelo constitui uma nova cultura mais genérica e menos relacional, mais individual e menos social. Está forma de cultura demanda outro formato de organização e de relação entre pessoas. Embora, consiga juntar muita gente num mesmo espaço, não aglutina as relações humanas. Segundo a autora mencionada, “As culturas evangélicas no Brasil, desde seus primórdios no século XIX, assentaram-se sobre as bases da negação das manifestações culturais autóctones e da supervalorização do american way of life e da cultura religiosa anglo-saxão; do autoritarismo, presente no forte clericalismo; da intolerância e do antiecumenismo (...)” [Idem]. Tal forma de tratar o modo de ser da religião para as Igrejas Eletrônicas e Midiáticas tem razão de ser, se visto pelo prisma do que vem de fora sempre é melhor, pois o individualismo, o autoritarismo e principalmente o antiecumenismo, vindo no rastro dos tele evangelistas americanos tais com: Jimmy Swaggart e Rex Humbard, entre outros,  reforçam o status quo e mantém “as rédeas curtas” de modo que mantém as pessoas sem um mínimo de reflexão sobre os acontecimentos.
            Sodré aponta três questões básicas que ajudam a manter o modelo e estrutura nessas igrejas.  a) A lógica mercantil profético-moralista e auto-escatológica; b) articulação da rotina cotidiana dos indivíduos; c) a ideologia que vê na suposta racionalidade comunicacional o “melhor dos mundos” [Muniz Sodré, Idem]. A forma descrita por Sodré ajuda-nos perceber como a cultura da Igreja Midiática consegue manter-se. Na sociedade consumista o modelo eclesial não pode deixar lugar para a reflexão. Via de regra, numa comunidade de fé há troca de informações entre as pessoas que congregam. No cenário descrito – a ação profético-moralista reforça determinadas questões de fundo. Por exemplo, o que é determinado pelo dirigente não pode ser contestado. O “escolhido por Deus é ungido e fala aquilo que Deus quer que seja feito”.
            A segunda questão vital para manter o modelo é a articulação da rotina do indivíduo. Em primeiro lugar é preciso assegurar que o indivíduo seja mesmo individuo, diluído entre uma multidão, de maneira que lhe dê a falsa sensação que ele é parte do todo sem, no entanto, poder articular-se com os demais. Como um apresentador/a qualquer que seja o/a tele-evangelista, missionário, apóstolo ou bispo, isso vale para mulheres apresentadoras, precisa reforçar no tempo disponibilizado por meio de rotinas que midiatizem[1] a vida cotidiana de cada indivíduo de maneira que em todas as “ações” cultuais repitam àquilo que já é conhecido.
            O modelo americano de tele evangelismo “pegou” no Brasil. Pastor Nilson Fanini, R. R.  Soares, Bispo Edir Macedo, entenderam cedo e não deixaram “a chance” escapar. Este grupo investiu pesado e finalmente conseguiu transformar o modelo americano em igreja midiática. Hoje serve de modelo para outras igrejas televisivas promoverem a forma de igreja-empresa utilizando todas as formas possíveis de mídias, de maneira que a “igreja” dê lucro, para o dono e seus associados.
            Deve-se ainda perceber a ideologia que referenda um mundo próprio em que não só a pessoa que participa do culto midiático. Mas, também o telespectador veja um espaço que lhe é apresentado e quê seja próprio do grupo em questão, com linguagem e cultura que identifique quem deste mundo participa. Isso pode ser percebido pela moda, pela música, pelo comportamento. Nas palavras de Sodré: “Na verdade, toda e qualquer experiência subjetiva do sobrenatural ou da transcendência, a que se dê o nome de religião, depende fortemente de práticas mediadoras, que variam do ritual a formas escritas” [Muniz Sodré, Idem]. Neste sentido vale lembrar que os apresentadores que antes eram tele-evangelistas, hoje são um misto de magos, atores, vendedores que em sua prática vendem até mesmo o paraíso aos seduzidos crentes e telespectadores.
Segundo Heinrich A. Fonteles, “Assim, a TV, através de um forte apelo e sedução, proporcionados pelas imagens, tem exercido uma forte presença na vida das pessoas, impondo comportamentos, condutas e hábitos. E, como afirma Marcondes (1988), a TV surge na tentativa de suprir algo que se tem perdido ao longo dos tempos: a alteridade, o diálogo, e o apelo sensorial do próximo”.  [www.mackenzie.br/fileadmin/...Et.../Heinrich _A.Fonteles.pdf  - Acessado em 21 de agosto de 2009]É nesta “brecha” cultural deixada pelas igrejas tradicionais que os programas se estabelecem]. Pois, as pessoas em seu quotidiano não tendo opções de lazer e cultura, optam por programas que lhes dêem algum sentido de participação na vida cultural. Acabam se envolvendo pelo discurso “fácil” que algo ou alguém lhe diz de modo simples o que fazer. Pela simplicidade das coisas, estas pessoas se identificam com a linha de programa que não difere muito, por exemplo, do programa do Silvio Santos, Faustão ou do programa do Gugu
            Dietrich Bonhoeffer nos brinda com uma preciosidade de primeira grandeza: O fenômeno ético é um acontecimento-limite, tanto no que se refere ao conteúdo quanto seu aspecto vivencial. (...) Como experiência – nascida da desintegração concreta de uma comunhão – “[Dietrich Bonhoeffer, Ética. 5ª Ed. São Leopoldo, Sinodal, 2001, p. 147]. A ética no atual contexto da chamada igreja midiática, foi ferido mortalmente, está na UTI, se não houver cuidado dobrado, vai morrer.
            Muitas igrejas históricas têm procurado trilhar o mesmo caminho deste modelo descrito acima. O problema consiste em negar muita vez, sua história, deixando envolver-se por conteúdos não apenas estranho ao seu arraial, mas, negando o que historicamente tem sido sua essência. De modo que, semelhantemente aquelas, ferem do mesmo jeito a ética cristã.

Rev. Jorge Wagner



[1] Entenda-se como a capacidade de intervir como árbitro ou mediador. Significa que tais rotinas são direcionadas para dar rumo à vida de quem participa de maneira direta ou indireta desses programas.


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