Se é preciso uma crítica radical dos valores, se é necessário avalia o valor de todos os valores humanos, sem ter mais à mão um critério de verdade, então é fundamental outro critério que seja válido e inquestionável, que esteja acima de todos os outros. Esse critério, segundo Nietzsche, é a vida. Só ele pode decidir se um valor é bom ou ruim. Como?
Partindo do critério vida, só se podem avaliar como bons os valores que estiverem servindo à sua expansão, intensificação e enriquecimento. E como ruins aqueles que estiverem criando condições para sua despotencialização, enfraquecimento, empobrecimento. Isso significa considerar vida como nunca se fez antes.
É preciso diferenciar vida da sobrevivência. Grosso modo, a sobrevivência descreve um empobrecimento da vida; quando meramente sobrevivemos, isso quer dizer que estamos vivendo de forma bastante precária, incipiente. A vida é um fluir de intensidades que se apropriam de mundo e se expandem em novas intensidades, num movimento crescente e inesgotável. Sem dúvida, ela engloba a sobrevivência, mas como sua dimensão mais baixa, seu alicerce, esse funcionamento adaptativo que pode ser o ponto de apoio para movimentos de maior expansão, criativos, transformadores. A sobrevivência depaupera a vida quando a reduz aos seus horizontes utilitários, toscos.
Por isso, diante do critério vida, um ato suicida pode até ter um valor importante, na impossibilidade de uma sobrevivência mesquinha expandir-se numa vida mais potente: por exemplo, um prisioneiro político que se suicida, ao se saber fadado a uma morte lenta e humilhante nas mãos dos inimigos.
Há, também, ocasiões em que a luta pela sobrevivência pode gerar valores de vida bastante preciosos: por exemplo, quando uma pessoa com uma doença grave é levada, na luta pela sobrevivência, a se defrontar com a morte e, a partir daí, a reavaliar a própria vida.
[Do Livro: A vida como valor maior - Nietzsche, Alfredo Naffah Neto, F.T.D., 1996, São Paulo, pág. 52 – 74]
O texto acima nos ajuda entender que a ética se preocupa entre outras tantas questões com o desenvolvimento da vida. A Igreja cristã que não consegue transformar seus atos concretos em gestos éticos dimensiona a continuidade do modo secular de viver que não se preocupa, muito menos, se ocupa com a vida abundante descrita por Jesus Cristo.
Rev. Jorge Wagner
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